Declaração assinada por 31 países em outubro de 2020 diz que o aborto não deve ser usado como método de planejamento familiar.
Grupo foi criado em 2020 para tentar barrar avanço de pautas sobre direitos reprodutivos em fóruns multilaterais; presidente aderiu a iniciativas que fortalecem direitos das mulheres
Em mais um passo para se distanciar da política externa bolsonarista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retirou neste terça-feira o Brasil do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, aliança antiaborto que tinha em Brasília sua maior entusiasta desde que Donald Trump deixou a Casa Branca há três anos. Simultaneamente, o governo aderiu a duas iniciativas multilaterais para promover maior igualdade de gênero na América Latina.
O anúncio foi feito em um comunicado conjunto dos ministérios das Relações Exteriores, da Saúde, das Mulheres, dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmando que o Consenso de Genebra “contém entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família”. A visão, diz a nota, “pode comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre a matéria, incluídos os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)”:
“O governo reitera o firme compromisso de promover a garantia efetiva e abrangente da saúde da mulher, em linha com o que dispõem a legislação nacional e as políticas sanitárias em vigor sobre essa temática, bem como o pleno respeito às diferentes configurações familiares.”
O Consenso de Genebra foi criado em 2020 por Trump — em uma declaração coautorada por Bolsonaro — para tentar bloquear votações em fóruns internacionais sobre educação sexual e direitos reprodutivos, alegando que abrem caminho para a legalização do aborto. Os quatro pilares do grupo são “preocupação com a saúde da mulher, proteção da vida humana, fortalecimento da família e defesa da soberania das nações na criação de políticas próprias de proteção à vida”.
O pacto tinha originalmente 34 signatários, quase todos à época governados por regimes ultraconservadores ou autocráticos. Há países internacionalmente criticados por violações dos direitos humanos como o Egito, a Arábia Saudita e o Iraque. Também fazem parte Polônia e Hungria, onde revezes no Estado de direito geram dores de cabeça para a União Europeia.
Com a saída, o Brasil segue os passos de outros países que tiveram mudanças de comando: o presidente americano, Joe Biden, tirou Washington do Consenso de Genebra imediatamente após sua posse, em janeiro de 2020. O presidente colombiano, Gustavo Petro, fez o mesmo ao assumir em agosto do ano passado.
Em novembro, dias após a eleição, mais de cem organizações da sociedade civil assinaram um manifesto pedindo que Lula tirasse o Brasil da aliança. Afirmavam que, mesmo se a força de tratados internacionais, a participação nacional “manchava a trajetória da política externa brasileira em matéria de direitos humanos”.
O Globo