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A promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de isentar do IR (Imposto de Renda) quem ganha até R$ 5.000 por mês ameaça reduzir de forma significativa a arrecadação federal e torna mais complexa a tarefa de formular um pacote de mudanças ligadas ao tributo. A medida é cobrada por Lula enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) busca implementar um pacote para reduzir o rombo nas contas públicas.
Com a falta de reajuste na tabela desde 2015, atualmente todos com renda tributável superior a R$ 1.903,98 por mês pagam Imposto de Renda. A defasagem chega a 148% desde 1996 (quando a atualização integral parou de ser feita), segundo o Sindifisco (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal).
A entidade calcula que a atualização da tabela pela inflação nos últimos 26 anos já elevaria a faixa de isenção para cerca de R$ 4.600. Hoje, quem ganha acima de R$ 4.664 paga a alíquota máxima.
Os economistas da equipe de Lula vinham trabalhando com valores menores para o reajuste da faixa de isenção, entre R$ 2.500 e R$ 3.000. Para chegar aos R$ 5.000 defendidos pelo presidente, o custo calculado ultrapassaria R$ 100 bilhões, com risco de encostar em R$ 200 bilhões.
O valor se aproxima de todo o déficit calculado para 2023, de R$ 231 bilhões. Para reduzir esse buraco, Haddad propôs neste mês um conjunto de medidas para, principalmente, aumentar a arrecadação por meio da reversão de cortes de tributos feitos na gestão de Jair Bolsonaro (PL).
O tamanho da fatura obriga os economistas do governo, que trabalhavam com um aumento mais brando da isenção, a voltarem aos cálculos para evitar um desequilíbrio significativo.
As estimativas de custo com a maior isenção do IR estão sendo feitas por diferentes instituições. A arrecadação como um todo fica comprometida porque o aumento da isenção “empurra” as demais faixas, criando um efeito dominó que reduz a receita do governo. Os valores projetados para essa perda oscilam a depender dos parâmetros considerados.
Também não é possível precisar o impacto real da medida, pois o governo pode não apenas mexer na faixa de isenção, mas também mudar alíquotas, deduções ou benefícios existentes para compensar o rombo causado.
Uma das estimativas mais moderadas é a do próprio Sindifisco. A entidade projeta que o impacto fiscal para cobrir a isenção para quem ganha até R$ 5.000 seria de R$ 21,5 bilhões. O impacto total considerando todas as faixas ficaria em R$ 106,5 bilhões.
O sindicato se posiciona a favor da correção da tabela, mas defende a adoção de medidas progressivas para compensar a perda de arrecadação. Entre elas, a volta da taxação de lucros e dividendos.
Relatório da XP Investimentos, assinado pelo economista Tiago Sbardelotto, estima que o impacto fiscal ficaria entre R$ 122 bilhões e R$ 171 bilhões, a depender das hipóteses de correção das faixas de tributação e das reduções de deduções.
No relatório, Sbardelotto trata das dificuldades para viabilizar o valor almejado por Lula.
“A atual dinâmica das contas públicas não suportaria tal redução de arrecadação, especialmente com o aumento das despesas esperado para 2023”, diz o texto, que traz cenários de autofinanciamento da medida, mas com faixas de isenção menores.
“Se a escolha for pela isenção até R$ 5.000, serão necessárias mudanças na estrutura do imposto, a adoção de alíquotas maiores e o fim de algumas deduções e isenções para que o resultado seja próximo da neutralidade.”
Gabriel Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, ex-diretor do IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), chegou a valores similares. Projeta um impacto global entre R$ 110 bilhões e R$ 173 bilhões.
“É um valor muito alto e passa a sensação de expansão fiscal desenfreada, sem o cuidado que o tema merece”, afirma. “Acho um equívoco tratar desse tema agora.”
Procurada, a Receita Federal declarou que não divulga dados sobre o tema até que uma medida em relação ao aumento da faixa de isenção seja oficial.
Na última quarta-feira (18), Lula voltou a cobrar uma solução efetiva para a questão. “Meus companheiros sabem que tenho briga com economistas do PT [para garantir a isenção de IR para quem ganha até R$ 5.000]”, disse o presidente em cerimônia pública com sindicalistas.
O que pensam integrantes da equipe de Haddad Durante a campanha, dois economistas que hoje estão no governo se debruçaram sobre a questão do IR. São eles Guilherme Mello, titular da SPE (Secretaria de Política Econômica), e Bernard Appy, secretário especial para a reforma tributária.
Ambos trataram da necessidade de elevar a faixa de isenção, mas em valores menores, e incluíam na estratégia a volta da tributação sobre lucros e dividendos -na tentativa de cobrar mais dos mais ricos, como pede o presidente.
Quando se fala em reforma tributária, é preciso ter em mente quatro categorias de tributos: consumo, renda (incluindo capital), trabalho (incluindo folha de pagamento) e patrimônio. Além das mudanças na cobrança sobre a renda, a equipe pensa em fazer alterações associadas às outras modalidades.
Mello atuou na consolidação das propostas para o programa de governo de Lula. No conjunto, inicialmente, os economistas da coalizão que elegeu Lula trabalharam informalmente com o aumento da faixa de isenção para R$ 3.000, e foram surpreendidos em outubro, ainda durante a campanha, quando Lula avisou que a isenção subiria para R$ 5.000.
O grupo propôs que a volta da cobrança sobre lucros e dividendos deveria ter alíquotas progressivas de forma a equiparar a tributação sobre a renda do capital à tributação sobre a renda do trabalho. Ao mesmo tempo, haveria uma redução da tributação sobre o lucro da empresa.
A proposta anunciada era, ao final, manter a carga total atual e garantir à empresa uma alíquota efetiva dentro da média internacional.
Em nenhum momento foram divulgados os valores das alíquotas ou outros detalhes, sob o argumento de que seria preciso negociar com os parlamentares eleitos.
Neste momento, o Ministério da Fazenda aguarda a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, após o recesso, para avançar com a reforma tributária no Congresso. Haddad já anunciou que a reforma dos tributos sobre consumo vai ser enviada no primeiro semestre, enquanto a reforma que trata da renda seria tratada no segundo semestre.
A proposta de Appy, por sua vez, tinha um maior nível de detalhamento e pode ser vista na íntegra num documento público na internet intitulado “Contribuições para um Governo Democrático e Progressista”.
O principio básico considerado é que o reajuste da tabela é necessário, mas como o custo é elevado e concorre com outras prioridades, especialmente a desoneração da folha de salários para os trabalhadores de menor renda, seria preciso incorporar mudanças conjuntas nas tributações sobre rendas do trabalho e do capital, inclusive com mecanismo para inibir a pejotização (em que o trabalhador se torna uma empresa para efeito tributário e recebe o rendimento com uma tributação inferior à paga por um profissional com carteira assinada).
No que se refere à tabela do Imposto de Renda, o documento sugeriu um aumento mais moderado da faixa de isenção, que subiria para até R$ 2.500. Ao mesmo tempo, seria feita a elevação das demais faixas pela mesma diferença em reais (pouco menos de R$ 600), junto com a revisão dos benefícios.
Para evitar novas defasagens, a tabela passaria a ser corrigida anualmente pela inflação.
Na outra ponta da tabela, haveria criação de uma alíquota adicional, de 35% para quem ganha acima de R$ 15 mil por mês, ou R$ 180 mil por ano. Para evitar a pejotização, em paralelo ocorreriam mudanças na tributação da folha de pagamento e também na tributação sobre ganhos de capital.
Nesse caso, Appy considerou que é preciso rever a tributação sobre renda do trabalhador formal, que é muito elevada, mas sem retornos proporcionais, bem como a tributação sobre sócios das empresas.
“É verdade que as contribuições sobre a folha geram benefícios para o trabalhador, mas, em relação à parcela do salário excedente do teto do salário de contribuição para o INSS [R$ 7.087,22], o pagamento da contribuição não é refletido no benefício previdenciário, cujo valor é limitado ao teto. Para essa parcela do salário, a cunha fiscal é de cerca de 40%, ou seja, o salário líquido do trabalhador é cerca de 60% do custo para o empregador”, diz o texto da proposta.
“Em contrapartida, parcela relevante dos profissionais de alta renda no país recebe a sua remuneração através de empresas dos regimes simplificados de tributação, das quais são sócios. É o conhecido processo de ‘pejotização’”.
No caso da folha de pagamento, foi proposta uma redução em 10 pontos percentuais da contribuição do empregador para a Previdência incidente sobre a parcela dos salários que excede o teto do salário de contribuição.
Ao mesmo tempo, para incentivar a contratação de trabalhadores de baixa renda, haveria uma redução na contribuição para o INSS incidente sobre a parcela correspondente a um salário mínimo. Pela proposta, a contribuição do empregado cairia de 7,5% para 3%; e a do empregador cairia de 20% para 6%.
O pacote de mudanças inclui a redução do Imposto de Renda sobre as empresas a níveis internacionais, acompanhada por outro lado pela tributação não apenas sobre a distribuição de juros e dividendos dos acionistas, mas sobre a renda do capital como um todo.
Isso inclui ganhos com aluguel e aplicações financeiras de modo geral, como Bolsa, fundos de investimentos, CDBs, títulos públicos, inclusive dividendos enviados para outros países, ganhos com instituição de come-cotas e fundos fechados.
Pela sugestão, ficaria isenta para pessoa física a renda de capital de até R$ 500 ao mês. Acima desse valor, a cobrança seria feita em duas etapas.
Haveria retenção na fonte de 15% e arrecadação via declaração anual do Imposto de Renda da pessoa física. Nessa segunda etapa, a cobrança seria escalonada em alíquotas de zero a 22,5%, compensando o tributado na fonte quando fosse o caso. Nessa cobrança anual, seria considerado a soma a renda do trabalho com o que excedesse os R$ 500 por mês da renda do capital.
A progressividade das alíquotas serviria para diferenciar a cobrança sobre o grande e o pequeno investidor ou acionista.
Appy sempre defendeu que um bom redesenho da estrutura de arrecadação deve ter um Imposto de Renda socialmente menos injusto, capaz de contribuir com a redução da desigualdade. Mas, ao mesmo tempo, que seria preciso aliviar a folha de pagamento e a tributação na empresa, o que abriria espaço para o crescimento da economia como um todo.
(Alexa Salomão/Folhapress)